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15 de dez. de 2009

Caipirinha Lounge Entrevista Keyta Mayanda

Keita Mayanda

Não é segredo para ninguém o grande respeito que nutro por Keita Mayanda, um dos meus rappers e artistas preferidos. Se no mês de Outubro viajamos pela sua mente através das suas músicas, hoje faremos o mesmo através das suas palavras e reflexões. O homem, tal como o artista, tem muito que dizer. Dá que pensar, reflectir, e agir. E antes de mais nada, eis a entrevista à Keita Mayanda, o homem e o artista.

Como surgiu a sua paixão pelo hip-hop? E porquê o hip-hop?

Vou começar por responder a segunda questão: o hip-hop não foi uma escolha, aconteceu, é realmente uma paixão e com as paixões as coisas quase nunca são planeadas ou racionalizadas, a paixão surgiu por volta dos 12 anos de idade, ouvia um rap ou outro e queria sempre mais, só que era um género de música desconhecido em Angola e eu não sabia como adquirir cassetes, até que um dia descobri que a Rádio FM Stereo passava um programa onde o rap era a música predominante, toda a segunda-feira ao fim da tarde, eu e um amigo escutávamos embevecidos e assim comecei a descobrir o rap e mais tarde o Hip-Hop.

Como encara o hip-hop em Angola e como descreve a sua evolução?
O hip-hop em Angola evoluiu de modo desigual, isto é, entre os seus elementos apenas o Mcying se desenvolveu de modo razoável, os outros elementos são bem pouco desenvolvidos e têm ainda pouca visibilidade, é verdade que temos crews de b-boys e crews de graffwriters, mas a posição de dj que é a mais antiga e que deu origem ao hip-hop não existe quase, se quisermos ser rigorosos poderemos dizer que não se practica o djying em Angola. O rap em Angola se desenvolveu de modo parecido ao que se faz no resto do mundo, em termos de produção e mesmo em termos de desempenho dos mcs, é bem verdade que existem características que só existem no rap angolano, como o facto do rap de cariz político ter-se desenvolvido como uma maneira de fazer rap quase um estilo, aliás muitos consideram o rap político como o rap underground, o que em termos rigorosos não é verdade.

Como encara o hip-hop no mundo lusófono em geral?
Eu oiço bastante rap do Brasil, acho que eles tem o melhor rap e o melhor movimento hip-hop da lusofonia, mais diversificado, mas estruturado, produz mais, possuem vários eventos, têm uma conexão com a sociedade que não existe em nenhum outro movimento na área da lusofonia, mas oiço também rap de Angola, Moçambique e Portugal, mas considero o rap do Brasil o melhor.

O que significa a música para si?
“…eu chamei a música e amamo-nos mutuamente/ desde então o som da liberdade esta no meu coração/ essa relação que não se compreende a nível da razão…/ esses versos revelam a minha relação com a musica, para mim é um tubo de escape, o divã do psiquiatra.

Como músico em Angola, pensas que tens o devido apoio e reconhecimento?
Não tenho qualquer tipo de apoio, mas o tipo de rap que faço não recebe e nunca receberá qualquer tipo de apoio e ou reconhecimento (excluindo as pessoas que gostam da minha música) quer institucional ou outro, isso é para os músicos do sistema, os amigos dos radialistas e os lambe botas de plantão.

Já é possível viver só da música em Angola?
Há artistas que obtêm parte fundamental da sua renda através da música, possuem uma agenda de concertos grande e recebem os melhores cachets do mercado, mas não são muitos, e eu disse parte fundamental porque ainda tem de fazer outras coisas tipo publicidade para engordarem a renda, alguns recebem apoios de empresas e assim garantem o seu sustento.

Sabe-se que também gosta de escrever poesia. Gosta mais de se exprimir pela poesia ou pela música, ou será que para si é a mesma coisa?
Eu sou o tipo de mc que escreve antes de pensar na música, mas não posso dizer se gosto mais de escrever poemas ou compor musicas, penso que eh bastante ténue a fronteira entre as duas formas eh a velha relação entre poemas que se musicam e letras poéticas.

Descreve-nos Keita Mayanda como artista.
Mc, underground e não tenho receio de o dizer, hoje em dia há bastante confusão sobre o que é underground e o que é comercial, eu não faço confusão entre os conceitos. Sou um quase poeta, souful mc, post revolucionário, neo espiritualista com os pés bem assentes no chão e uma mente que funciona a mil.

E como homem?
Reservado, amigo dos amigos, metódico.

Como surgiu o relacionamento com MCK, Ikonoklasta, e o resto do Conjunto Ngonguenha?
Há já muitos anos que somos amigos, são os irmãos que o rap me deu, a ideia de fazermos o Conjunto foi creio do Leonardo ou do Conductor, numa fase em que morávamos em países diferentes, mas conseguimos fazer o álbum em três semanas numa altura em que pudemos nos reunir todos em Lisboa. Não são só parceiros do rap, são kambas do peito e já passámos por muitas cenas juntos, boas e más.

As músicas que fazem como Conjunto põem-me em gargalhadas. Pensas dar seguimento a este projecto?
Acabamos de gravar, há uns poucos meses, o segundo cd do Conjunto que vai chamar-se Nós Os Do Conjunto e vai ser editado em 2010 pela Masta K. vai seguir a mesma linha de pensamento do primeiro embora não seja como um sequência, procuramos não nos repetir eh como diz aquele kuduro: “ igual ao outro mais diferente”.

Falemos um pouco sobre cultura. Quais são para si os pontos fortes da cultura angolana?

Eu vou falar da cultura não como manifestação artística apenas, mas como modo de ser, usos, costumes e crenças, nesse sentido acho que o mais positivo da cultura Angola é a capacidade de se reinventar de se superar e às dificuldades e a capacidade de sorrir na adversidade e de ser generoso mesmo quando se possui pouco.

O que mais o faz sentir-se orgulhoso de ser angolano?
Não é algo físico, tão pouco tem a ver com as conquistas (poucas por sinal) que o país alcançou, tem a ver com uma energia irracional, um amor que não pede contrapartidas, existe pelo simples facto de aqui ter nascido, por fazer parte dessa terra, compreender o mundo a partir do facto de ser angolano, eu não sou desses que maldiz o pais por causa da governação, desses que não amam Angola porque ela não atingiu os níveis de desenvolvimento que se observam noutras partes do mundo, desses que voltaram porque Angola é que esta a dar nesses tempos de incerteza financeira e desemprego na Europa, desses que são angolanos por conveniência e que são incapazes de compreender o nosso processo histórico, politico e sociocultural, ser angolano exige de nós compreender a nossa realidade muito alem do que são as nossas conquistas pessoais, carro, casa e emprego.

Quais são as tuas influências literárias?
Eu li bastante na adolescência, li muito mesmo, 5 livros por semana era o que eu lia, hoje leio bem menos, tenho menos tempo, mas também a literatura encanta-me menos hoje, mas as minhas referências literárias vão desde Henrique Abranches a Pepetela, de Agatha Christie a Jorge Amado e muitas outras que marcaram cada uma o seu momento na minha adolescência e inicio da juventude.

E influências musicais?
Ah! Aí é difícil descrever, porque ao contrario do que aconteceu com os livros, a musica só cresceu, e cresceu, a minha necessidade de ouvir musica é quase patológica, sou um viciado em pesquisa de musica e em downloads, estou sempre antenado as coisas novas, novos artistas, coisas velhas, novas experimentações musicais é melhor não referir artistas mas géneros musicais assim é mais fácil porque seria uma lista imensa, eu gosto muito de rap, o rap é a minha base, mas hoje gosto mais de neo soul que é uma variação da soul tradicional, mais influenciada pelo rap, gosto de jazz, de semba, de samba rock, bossa nova, musica electrónica, musica experimental, world music, musica africana, é verdade que esses conceitos são demasiado elásticos para que o leitor perceba exactamente o que, mas é porque eu oiço muitas coisas, por exemplo no rap não oiço gangsta rap ou rap comercial, gosto da nova cena da west coast (de Madlib a Fashawn) adoro o rap da east, a cena de Detroit a cena de Philladelphia, gosto de rap francês, rap sueco, rap japonês, glitch hip hop, souful hip hop, nada de 50 cent ou Lil Wayne e nem é por razoes ideológicas, simplesmente não curto, não me agrada, tem o seu valor, mas não toca no meu ipod.

Quais são os teus artistas lusófonos preferidos?
Os irmãos Mingas, o Bonga, Nação Zumbi, CéU, Parteum, os meus manos do Conjunto Ngonguenha, Curumin, Clube do Balanço, Marisa Monte, Racionais Mcs, Kilu, 340ml (apesar de não cantarem em português são de Moçambique) Djavan, Teta Lando, Marku Ribas, Beto Villares, Tim Maia, Otto, Instituto, Silvera, Ed Motta, Maria Gadú é muita cena nem é possível lembrar todos, mas deu pra perceber que oiço muita música do Brasil (quem não ouve né?) mas sobretudo a cena mais alternativa de São Paulo e Pernambuco.

Algumas das tuas músicas têm um forte teor psicológico e social, tal como a música Sociologia. Como surgiu a ideia e a inspiração para esta música?
Eu tenho uma licenciatura em Sociologia, mas ao contrário do que muita gente pensa esse facto tem pouca influência no que escrevo ou nas minhas ideias, muitas pessoas referem-se a isso como se eu fosse uma folha em branco antes de ir para a universidade, mas a verdade é que sempre fui muito curioso e li bastante sobretudo na adolescência isso sim formou a minha base ideológica, os livros que li antes de ter 20 anos. Eu queria fazer um som onde o título não indicasse claramente o tema, eu curto fazer isso, gosto de títulos curiosos e que nem sempre tenham referência explícita nos versos. Queria muito fazer uma música que falasse sobre sustentar uma família e sobre os sacrifícios que se consentimos quando estamos nessa posição, não é o meu caso, mas é um assunto que sempre me fascinou.

O que achas dos valores e padrões morais da juventude angolana?
Não tem porque não receberam, os valores e padrões existem mais nada tem a ver com moralidade, os valores são o dinheiro, a jactância, a impáfia, a ostentação. O padrão é ser da “elite” a palavra esta entre aspas de propósito, é frequentar o Palos e estudar na Universidade Lusíada ou ter estudado fora do pais de preferência na Europa ou Estados Unidos, ter morado fora do país porque na cabeça dessa gente esses padrões e valores te fazem superior em relação a maioria.

Na música O Caminho do Meio fazes um apelo para sermos mais humanistas. Vês uma certa falta de humanismo no homem/mulher angolano(a)?
Costumava ouvir que um dos maiores valores da nossa cultura é a solidariedade, penso que estes anos de guerra, de privações de toda a espécie aliados a nova geração de ricos que ostentam e humilham os pobres contribuiu para que as pessoas olhassem apenas pra elas mesmas, é fácil ser generoso quando não te falta nada, mas incrivelmente os mais ricos são os mais avarentos, basta ver qual a dimensão e qualidade das acções de caridade neste país praticadas por empresas ou por pessoas abastadas, precisamos de construir um novo angolano, que saiba amar e respeitar o próximo.

Como encaras a sociedade angolana em geral?
Doente, profundamente doente, completamente disfuncional, entenda, tens uma polícia que além de não proteger, ainda se envolve em roubo e assassinato, os políticos inspiram asco na maior parte dos casos, por falta de honestidade e amor pelo país, professores mais preocupados em jactar-se do que em ensinar, pais que se desresponsabilizam da educação dos filhos, ninguém ama a cidade onde vive, todos sujam, cospem, maltratam a cidade. A minha visão é sombria, é verdade, existem também coisas boas é verdade, mas acho que no actual contexto temos de ser duros e não alinhar com a proposta do sistema de vender a imagem de um país que se desenvolve porque existem projectos mirabolantes e megalómanos, o país são as pessoas sobretudo e se as pessoas não estão bem como pode o país estar bem?

Quais são as tuas ideias acerca do desenvolvimento Socio-económico de Angola?
Deve se centrar na melhoria do sistema de ensino, e na melhoria nos serviços de saúde, em termos puramente económicos a agricultura tem de continuar a receber a atenção que tem recebido nos últimos dois anos, mais investimento nesse ramo da actividade económica, para ajudar a diminuir o peso das importações na nossa economia, criar empregos, criar renda e assim gerar riqueza para o Estado, o turismo e a rede de transportes tem de ser melhorada com eles vira certamente mais emprego, e mais riqueza para os investidores e para o Estado, com isso Angola vai se tornar destino de verdadeiro turismo, aumento e melhoria de toda infra-estrutura habitacional, rede de esgotos, energia e agua, a modernização de Angola garantirá que os seus melhores filhos na diáspora retornem e que mais pessoas respeitem o nosso país.

A música que fazes com Ikonoklasta, Falso Orgulho (pt. 2) contem algumas críticas tuas ás duas forças politicas do país. Qual é a avaliação que fazes acerca destes dois partidos tão influentes no historial deste país?
Pelo que posso entender são dois partidos que se posicionam a esquerda, ideologicamente falando, mas que agem profundamente como uma direita reaccionária, oligarca, no caso de quem governa, despreocupada com os valores que nortearam as suas fundações, portanto distantes do povo que dizem representar.

Qual a sua opinião acerca do actual clima politico do país?
Morno. Desinteressante. Poucos políticos conseguem realmente captar a minha atenção, poucos conseguem criar verdadeiros factos políticos, o meio político parece-se com um certo rap que vive de fazer diss, beefs porque só assim consegue chamar a atenção.

Tens fé no futuro de Angola?
Não sei o que será de Angola nos próximos 10 anos, a futurologia é algo que não domino, mas esta a se tornar um Brasil em dimensão menor, mas só agregando as coisas que o Brasil tem de pior, os Macintoshes são na opinião de muita gente os melhores notebooks, então Angola é um Macintosh numa kubata de lata, velha e feia sem agua e sem luz, brinco de ouro em nariz de porco. Ja disse antes o pais são as pessoas e não os prédios novos e shopping centers, tem a sua importância, mas se nao servem a todos, servem pra quê?

5 MCs que respeitas, em Angola ou no estrangeiro:
Vou só citar os que mais respeito em Angola Leonardo Wawuti, Conductor, Ikonoklasta, McK e Edu ZP, como apenas pediste 5 fico por aqui.

5 artistas que ouves quase que diariamente:
Nos últimos tempos: Erik Rico (Journey Back To Me) Electric Wire Hustler (Every Waking Hour) Mr. PopCorn (Epopcorn), Jesse Boykins III (The Beauty Created), Shafiq Hussein (En-A-Free-Ka).

Petro ou D’Agosto?
DAGO, DAGO, D’AGOSTO até morrer.

Funge com moamba de galinha ou feijão de óleo de palma com cacusso?
Feijão de olho de palma com cacusso é claro, essa é a melhor comida do mundo.

Quem achas que vai ganhar o CAN 2010, e que estádio achas o mais bonito?
Camarões ou Costa do Marfim, o estádio de Luanda é o maior e mais bonito dos 4.

Cidade preferida em Angola?
Huambo. Aconselho todos a visitar a cidade com melhor qualidade de vida no país, conheço todos os municípios da província e eu nasci em Luanda, portanto não sou como esses que só sabem falar bem da sua região ou etnia, temos de ser justos.

Livro preferido?
Olha já li há uns 15 anos e só lembro o título do livro: Entre Lobos. A estória passa-se num campo de concentração nazi, e eh sobre um grupo de prisioneiros que esconde dos nazis a existência de um bebe no campo. Li várias vezes quando tinha 14 ou 15 anos.

Música preferida de todos os tempos?
Melhor música do mundo é da Lauryn Hill: Ex-Factor, essa me derruba mesmo.

Pensamento do dia:
Ser melhor a cada dia.

Fonte: LusoTunes

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